O ministro Celso de Mello não deu conhecimento aos pedidos feitos por deputados da oposição para que o celular de Jair Bolsonaro fosse apreendido. A decisão saiu há pouco.
Embora na prática isso signifique uma negativa, Celso de Mello não viu constitucionalidade sequer para julgar os pedidos, por não ver legitimidade por parte de deputados para fazer o pedido de uma diligência, o que é exclusividade do Ministério Público.
O ministro também viu a apreensão como algo que seria desarrazoado.
“Cabe ressaltar, de outro lado, que, mesmo que superada a questão prévia concernente à falta de legitimidade ativa das agremiações partidárias, ainda assim não haveria como deferir a pretendida apreensão cautelar dos aparelhos celulares tanto do Presidente da República como dos demais nominados pelos ora noticiantes, eis que ausentes, ao menos no presente momento, os fundamentos necessários à configuração de causa provável, que atua, como se sabe, como pressuposto legitimador da adoção dessa providência que se reveste de caráter extraordinário”, disse, referindo-se à apreensão.
O ministro criticou na decisão a fala de Jair Bolsonaro, de que ele não cumpriria decisão de entregar o celular, caso assim fosse decidido pelo STF. No dia 22, em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro havia dito que não entregaria o telefone:
“No meu entender, com todo o respeito ao Supremo Tribunal Federal, nem deveria ter encaminhado ao Procurador-Geral da República. Tá na cara que eu jamais entregaria meu celular. A troco de quê? Alguém está achando que eu sou um rato para entregar um telefone meu numa circunstância como essa?”, afirmara Bolsonaro.
Mello afirmou que, caso Bolsonaro não acatasse uma decisão judicial, estaria configurado um crime de responsabilidade:
“É tão grave a inexecução de decisão judicial por qualquer dos Poderes da República (ou por qualquer cidadão) que, tratando-se do Chefe de Estado, essa conduta presidencial configura crime de responsabilidade”.
O ministro afirmou que eventual “desobediência presidencial” seria uma conduta inconstitucional. E lembrou que a Constituição dá ao STF o “monopólio da última palavra”.
“Em uma palavra: descumprir ordem judicial implica transgredir a própria Constituição da República, qualificando-se, negativamente, tal ato de desobediência presidencial e de insubordinação executiva como uma conduta manifestamente inconstitucional. É preciso sempre relembrar, em repulsa aos que ignoram a altíssima função constitucional do Supremo Tribunal Federal e que insistem em desconhecê-la, que a condição de guarda da Constituição da República foi outorgada a esta Corte Suprema pela própria Assembleia Nacional Constituinte, que lhe conferiu a gravíssima responsabilidade de exercer, em tema de interpretação de nossa Carta Política, o monopólio da última palavra”, escreveu.
Mello disse ainda saber o momento por que o pais passa e que o STF irá defender a Constituição.
“Torna-se essencial reafirmar, desde logo, neste singular momento em que o Brasil enfrenta gravíssimos desafios, que o Supremo Tribunal Federal, atento à sua alta responsabilidade institucional, não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer os valores fundantes da ordem democrática e prestando incondicional reverência ao primado da Constituição, ao império das leis e à superioridade político-jurídica das ideias que informam e que animam o espírito da República. Esta Suprema Corte possui a exata percepção do presente momento histórico que vivemos e tem consciência plena de que lhe cabe preservar a intangibilidade da Constituição que nos governa a todos, sendo o garante de sua integridade, de seus princípios e dos valores nela consagrados, impedindo, desse modo, em defesa de sua supremacia, que gestos, atitudes ou comportamentos, não importando de onde emanem ou provenham, culminem por deformar a autoridade e degradar o alto significado de que se reveste a Lei Fundamental da República”, escreveu o ministro.
Mello afirmou que o país passa por momento de “gravissimos desafios”, que também repercutem no STF.
“Ninguém ignora que o Brasil enfrenta gravíssimos desafios, que também repercutem nesta Corte Suprema, a quem incumbe superá-los por efeito de sua própria competência institucional, fazendo-o, sempre, com respeito ao princípio essencial da separação de poderes, em ordem a manter íntegros os valores ético-jurídicos que informam a própria noção de República, em cujo âmbito deve prevalecer, como primeiro dever do governante, o senso de Estado na busca incessante da realização do bem comum”, disse.
O ministro salientou que, quando o Judiciário intervém para conter excessos do Executivo, está apenas desempenhando o papel que lhe foi atribuído pela Constituição.
“É importante ter presente que o Judiciário, quando intervém para conter os excessos do poder e, também, quando atua no exercício da jurisdição penal ou como intérprete do ordenamento constitucional, exerce, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício da função jurisdicional, por tal razão, projetando-se no plano da prática hermenêutica – que constitui a província natural de atuação do Poder Judiciário –, não transgride o princípio da separação de poderes. Torna-se vital ao processo democrático reconhecer que nenhum dos Poderes da República pode submeter a Constituição a seus próprios desígnios, eis que a relação de qualquer dos Três Poderes com a Constituição há de ser, necessariamente, uma relação de incondicional respeito ao texto da Lei Fundamental, sob pena de inaceitável subversão da autoridade e do alto significado do Estado Democrático de Direito ferido em sua essência pela prática autoritária do poder”.
Fonte: Época Globo