Em 2013, trabalhando como gari concursado em Pirpirituba, município localizado no Brejo da Paraíba, Ednilson Silva decidiu entrar no ensino superior. Foi aprovado no curso de história da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e seguiu trabalhando e estudando durante cinco anos. Neste mês de junho, utilizando a farda que veste diariamente na função, defendeu o trabalho de conclusão de curso (TCC) dele. O tema foi a “invisibilidade” dos agentes públicos de limpeza.
Apesar disso, Beninho, como é conhecido pelos amigos e hoje tem 31 anos, contou que nem sempre “vestiu a camisa” da profissão. Segundo o formando, no começo do curso, em 2014, a vergonha e o receio fizeram com que ele demorasse cerca de um ano para compartilhar a experiência com os colegas e professores, no campus de Guarabira.
“Depois eu percebi a importância social que tem a profissão, hoje me identifico com ela e gosto do que faço. Eles [os colegas e professores] ficaram felizes. Ficaram ‘ah, que massa a sua história’. Até hoje eles se surpreendem, antes mesmo dessa repercussão eles já vibravam com meu TCC”, afirmou.
Ednilson relatou que concluiu o ensino médio em 2006, mas não alcançou a nota necessária para ingressar em um curso superior nesse ano, nem na tentativa seguinte. Após isso, decidiu se dedicar aos concursos públicos.
Ele participou de vários certames, para diferentes cargos em diversas cidades, até decidir, ainda que relutante, tentar seguir a carreira de gari, trabalho já realizado pelo pai dele.
Durante o curso, Beninho precisou conciliar o emprego, de manhã, com os estudos, à tarde, e a vida em família, já que é casado e tem uma filha de 2 anos e cinco meses. E, embora se identificasse com a área de história, ele comentou, em meio a uma risada sincera, que essa tarefa não foi nada fácil.
“No começo não foi muito bom não. Tinha essa carga de leitura, eu estava meio enferrujado. Comecei patinando, devagarinho, mas fui me acostumando, aí depois você desenrola, vai conseguindo, levando. E eu sempre gosto de ler, principalmente história. Eu acho que foi o curso perfeito”, salientou.
‘Ninguém fala sobre os garis’
De acordo com Ednilson, inicialmente, o tema do trabalho de conclusão de curso dele não seria voltado para os garis, porém, em meio às leituras, ele se deparou com um autor que chamou atenção e o fez abrir os olhos para a realidade que vivia.
“Com o passar do tempo, eu fiquei pensando, eu digo ‘eu vou pesquisar alguma coisa sobre os garis’. E não encontrava nada, nada mesmo. Eu digo ‘caramba, ninguém fala sobre os garis’. Aí encontrei uma matéria falando sobre um cara chamado Fernando Braga da Costa”, disse.
A obra encontrada por Beninho foi o livro “Homens invisíveis – Relatos de uma Humilhação Social”, do autor que tem mestrado e doutorado voltados para o tema que o gari desejava estudar. Os relatos de Fernando encantaram Ednilson.
Com o auxílio da orientadora, Verônica Pessoa, o formando desenvolveu o estudo, que recebeu o título de “Trabalho e desigualdade social na contemporaneidade: reflexões sobre os agentes de limpeza pública”. Para isso, entrevistou 10 profissionais atuantes e, com eles, compartilhou as experiências.
Segundo ele, por mais introdutório que seja, o trabalho tem a proposta de “plantar uma semente” e de trazer à tona o debate sobre a importância social desses profissionais, a valorização econômica e a necessidade de melhorias na qualidade do trabalho. “Fazer com que as pessoas vejam. Deem um bom dia, uma boa tarde, atenção”, frisou.
Um dos sonhos de Ednilson é que o trabalho possa, um dia, virar um livro, para que as pessoas conheçam não somente a história dele, mas de todos os personagens que fizeram parte do estudo e são invisibilizados cotidianamente.
Ser a voz e o rosto dos garis
Sobre a escolha de realizar a apresentação vestido com a farda, Beninho afirmou que, embora não esperasse uma grande repercussão, sabia que a atitude causaria estranhamento. Contudo, essa também intenção dele: tornar concreto o objetivo do estudo. A defesa ocorreu no dia 11 de junho.
Ao relacionar o TCC com o curso de história, Ednilson afirmou que é papel do historiador “tornar o invisível real e audível”, para que novos personagens possam ser conhecidos e lembrados.
“Eu fico feliz porque hoje eu estou tendo a oportunidade de falar, de ser a voz, de ser o rosto de tantos garis Brasil afora, que são invisíveis socialmente”, pontuou.
Com a data da colação de grau marcada para julho, Beninho continuará trabalhando como gari, entretanto, afirmou que espera dar continuidade ao estudo, aprofundá-lo, em um mestrado e, futuramente, no doutorado, além de pensar em ser professor.
Fonte: G1 PB
Fotos: Dje Silva/Ednilson Silva/Arquivo pessoal